sábado, 2 de novembro de 2013

Uma carta.

Carta? Como é? Como assim? Se até e-mail hoje em dia está ficando ultrapassado... É que eu acho que só dentro de cartas há espaço para as miudezas da vida que às vezes a gente quer parar para contar. Sabe, não sei bem o que esperar de você. Aliás, quem é que sabe, não é? Quando acordo, olho para o lado e sinto um aperto forte no peito, um vazio, um cansaço crônico. Olho para cima e penso "o que será que você vai fazer de mim?". Se eu soubesse a resposta, acordaria mais leve?
A verdade é que preciso te falar. Preciso te contar que esse aperto não tem fim, não, querido. Quando é que vai ter? Será que um dia vou receber uma carta de resposta? Será que devo esperar? Talvez o segredo daqueles que vivem com leveza seja não se fazer perguntas tão complicadas, assim, de uma vez. Como é que se faz isso, pelo amor de Deus?
Como viver sem expectativas? Como viver, apenas? Olho para as pessoas andando nas ruas, sentadas nos ônibus, paradas na fila do supermercado, pagando contas, comendo em restaurantes, conversando com amigos... Será que alguma delas vive mesmo? Será que sabe como conduzir uma vida com leveza? Ou será que todas elas também vão deitar sem vontade de dormir e acordam sem vontade de se levantar?
Semana passada mesmo eu li um texto do Ítalo Calvino em que ele comentava sobre o romance A Insustentável Leveza do Ser, do Kundera: seu romance A insustentável leveza do ser é, na realidade, uma constatação amarga do Inelutável Peso do Viver. Que peso é esse que transforma e coloca a gente em dúvida sobre o sentido da vida e de todas as coisas do mundo?
O que eu quero saber de você, meu querido futuro, é por que tanto me inquieta e por que não me deixa aqui, quieta, no meu presente... Sabe, só queria um pouco de paz para ficar bem onde estou. Mas não, fico aqui, sem estar. E não quero estar em lugar nenhum. Entende isso?

Pacientemente, esperarei uma resposta.
Com carinho.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Nostalgia?

Dizem, para cada momento sempre há uma música que nos acompanha. Um dia me deparei com uma música que não escutava há pelo menos seis meses. Eis que quando ela começou a mostrar seus primeiros acordes, bateu uma sensação estranha, um vazio, uma estranheza, um reconhecimento, ou apenas nostalgia. Nostalgia, nostalgia, mesmo, não poderia ser; não era exatamente um bom sentimento de recordação, mas algo que eu reconhecia, que realmente havia sentido há seis meses. O momento que vive acendeu na minha mente e o que eu pensava antes estava lá, entregue a mim; o que eu sentia, com o que me preocupava e, logo, o que eu escutava para sarar esses sentimentos ruins.
Entre a música e a minha mente, o que restou mesmo foi aquela sensação, que estará sempre presa na memória quando eu voltar a escutar. Posso esquecer, posso fugir, mas um dia, quando a música começar a tocar eu vou lembrar de tudo que senti. Essas músicas que revelam segredos esquecidos, entregam o jogo logo de cara e me fazem perder o chão porque rememoram momentos e sentimentos que eu me recuso a lembrar. Se isso é bom, bem, não sei. Só percebo a estranheza que é reconhecer uma sensação com canções que ouvi um dia, na inocência, achando que iria me curar do mal que me atingia em determinada época. Mas o que eu não sabia era do fardo de guardar o sentimento em uma música. O mal de fazer isso é tê-la sempre presente, pronta para acordar no primeiro soar da melodia...

segunda-feira, 26 de abril de 2010

[...] A moça foi um sucesso compreensível...

Ela era um triunfo sobre a feiúra, o que muitas vezes é mais feiticeiro que a beleza real, ao menos por conter algum paradoxo. No caso, em contraste com o método escrupuloso à base de bom gosto e treinamento científico, o truque consistira em exagerar os defeitos: ela os tornara ornamentais, assumindo-os com ousadia. Saltos que realçavam sua altura, tão íngremes que os tornozelos tremiam; um corpete reto e apertado, indicando que ela poderia ir à praia usando sunga; cabelos repuxados para trás, acentuando a magreza, a inanição do rosto de modelo. Até mesmo o gaguejar, certamente genuíno e ao mesmo tempo fingido, fora convertido em vantagem. Era o golpe de mestre, aquela gagueira; pois fazia suas banalidades soarem como originais; além disso, apesar da altura, apesar da autoconfiança, inspirava nos ouvintes do sexo masculino o instinto protetor.

Breakfast at Tiffany's, Capote

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Uma nota no espelho

"Os corações frouxos têm destas energias súbitas, e é próprio da pusilanimidade iludir-se a si mesma". M. de Assis.

Quando meu avô morreu não pensei que sentiria tanta falta. Foi rápido.
O que é distante pode ser mais próximo que o próximo. Eu me achava distante, digamos, extremamente longe do meu querido avô. Exceto para pedir brinquedos e coisas para as minhas pinturas abstratas de criança. Ele, por outro lado, pensava de forma diferente, aproveitava tais pedidos para se ver mais perto de mim.
Quando ele morreu eu percebi que éramos mais unidos do que jamais imaginaria se ele estivesse vivo.
A distância aproxima?
Às vezes a gente não percebe. Não percebemos que aquele ao lado está em outro plano, e nós estamos aqui, pensando firme. Isso pode ser ruim, deixar que as relações se afrouxem. Pode ser bom, deixar que sentimentos parecidos não se confrontem e não abalem corações já afrouxados por si só.

Quem de nós está mais distante agora?
Aconteceu assim comigo, e provavelmente deve acontecer com você também.

Rápido, como a vida e a morte.

A nota: Dedicado a quem a carapuça servir.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A lista velha do ano velho

"Tenho que me ver tristonho, tenho que me achar medonho. E apesar de um mal tamanho...Alegrar meu coração"

Conheci esse ano uma pessoa que mudou um pouco as minhas perspectivas de vida, tais como odiar a passagem para o ano novo. Não estou dizendo que isso é ruim e que foi ruim conhecê-la, pelo contrário, agradeço eternamente.

Descobri, enfim, que também odeio o ano novo. Todo "31 de dezembro" antes da meia noite sempre foi tão comum, que nem sequer percebia que enfim era aquilo que estava acontecendo. O ano estava passando. Não que eu precisasse refletir sobre a vida, obrigatoriamente, mas acho que eu precisava um pouco disso.
Aquela velha lista, as de sempre, quase nunca realizadas, mas que sempre fazemos, não porque esperamos fielmente cumprir, mas porque já virou tradição de final de ano, só servem enfim para nos animar, dizer que o próximo ano pode ser melhor (já que, afinal, sempre temos que dizer que precisa melhorar).

Para não perder o clima pensei em algumas coisas cuja realização não será (talvez) sequer cogitada a partir do dia 1º de janeiro:

1. Estudar mais.
2. Independência interior (nem queira entender o que considero ser isso);
3. Correr todos os dias;
5. Ler mais;
6. Filmes;
7. Falar melhor em público, sem gaguejar;
8. Ver a solidão como algo bom;
9. Perder menos tempo com futilidades;
10. Fazer menos planos (leia-se listas). Agir mais.

Não custa tentar ser otimista, né?!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A moça sentada a janela sentiu que não conseguiria...

"Muitos anos da sua existência gastou-os à janela, olhando as coisas que passavam e as paradas". C.L
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Ela olhava a rua. Suspiro vai, suspiro vem. A noite vem, e vem calma como sempre. O dia chega, a lua, o sol, a noite, o dia. E a moça sentada a janela sentiu que não conseguiria. O aperto no peito, a angústia do tempo, a vida perdida, e cada vez ela sentia que nunca, nunca conseguiria. Tinha mania de esperar a vida. Sentada, imóvel, intacta, distante, só. A moça pensava e pensava, queria tantas coisas, mas nunca pensou que conseguiria. Queria viajar o mundo, conhecer rapazes, mulheres, queria dançar e se sentir bonita, queria aprender a cozinhar, se aventurar, sentir a grama, a praia, a neve, queria gritar, esquiar, andar, fumar, beber e viver. A moça sempre pensava em tantas coisas que queria fazer, mas nunca, nunca achou que deveria, nunca achou que merecia, nunca achou, enfim, que conseguiria. O rosto mudava, a cada dia que passava soava mais sério, mais velho, mais fora de si mesmo. Seus olhos cerrados sempre lá, no mundo que um dia idealizou. Suas mãos frias e enrugadas diziam pela vida as poucas coisas que ela tocou. Seu cabelo, agora tingido de tempo, crescia sem forma e desejo. A moça sentada a janela já não tinha noção das horas, dos dias. Esperava. Esperava que algo acontecesse subitamente. Uma vez olhado para longe, sentia que nunca conseguiria e passou a olhar sempre. Ilusão, pensou enfim. Nada poderia fazer. Virou o rosto para dentro de casa, viu seus móveis de anos atrás, sentiu pesar, sentiu-se só. Andou até a cama e deitou-se, sabendo que só conseguiria resistir ali, nos eternos anos de espera e agonia.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Mas não acho que sou muito gente...

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Ele: Santa Virgem, Macabéa, vamos mudar de assunto já!
Ela: Falar então de quê?
Ele: Por exemplo, de você.
Ela: Eu?!
Ele: Por que esse espanto? Você não é gente? Gente fala de gente.
Ela: Desculpe. Mas não acho que sou muito gente.
(Lispector, 1995)
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É que, pelos limites da reflexão sobre a existência, às vezes me esqueço de perceber que estou diante da própria percepção de concsiência. O limite do existir, se existo ou não. Espero eu, como uma epifania, o entendimento da minha real existência aqui. Talvez, quem sabe, despertar para o real. Mas não o meu real.
Sentir que posso falar de mim, sabendo que tenho condição humama para isso.